domingo, 1 de março de 2009

Operação Valkiria : ordem facista no cinema ?

Fui assistir Operação Valquíria (Valkyrie, EUA, Alemanha, 2008) com Tom Cruise:
“Baseado em fatos reais, passados durante a Segunda Guerra Mundial, o filme descreve a ação de um grupo de oficiais que planeja assassinar Hitler. O momento adequado é em 20 de Julho de 1944, quando Hitler faz discurso durante uma conferência. Um de seus oficiais, o coronel Claus von Stauffenberg (Cruise), sai do local na surdina deixando ali uma bomba.”

(resumo disponível em : epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=19263)

Gostei do filme. Embora pesadão, dá para entender toda a trama e confesso :
fiquei sob tensão o tempo todo e o final é emocionante.
É para isso que serve o Cinema!
Logo que cheguei em casa, recebi do Boletim Carta Maior o artigo que reproduzo para vocês. É uma crítica aos filmes que atualmente mostram que mesmo na Alemanha Nazista havia alemães tentando impedir a dominação de Hitler.
Ainda não tenho uma opinião formada a respeito da proliferação destes filmes e qual a real intenção de suas mensagens.
Tão perigoso não ter idéia pessoal formada!
A mídia com toda a sua tecnologia nas mãos erradas consegue fazer lavagem cerebral até nos mais inquietos pensantes deste mundo.
A reprodução do artigo do Luís Carlos Lopes é somente mais uma idéia a ser considerada. O que você acham ?


DEBATE ABERTO
A ordem fascista e o cinema
Vêm sendo lançados vários filmes sobre o nazifascismo. Alguns poucos mantêm a perspectiva crítica e chegam a denunciar a presença destas ideologias como um fenômeno contemporâneo. Vários vêm operando no sentido contrário. Revisam a história e a crítica e as relativizam.
Luís Carlos Lopes
Há quem ache estranho ainda se falar de acontecimentos remotos como a Segunda Guerra Mundial, terminada em 1945. Para as atuais gerações, deve parecer pré-histórico comentar o nazismo alemão e o fascismo italiano, tanto tempo já passado. Quem viveu esta época tem mais de setenta anos e ainda assim era bem jovem, quando, enfim, a Alemanha foi derrotada, Mussolini já havido sido pendurado de cabeça para baixo em uma praça de Milão e a bomba atômica já havia sido lançada tragicamente em Hiroshima e Nagasaki. Quem conheceu sua lenta maturação, desde a década de 1920, ou já faleceu, ou está na mais bela das idades. Como as novas gerações são cada vez mais desligadas da palavra escrita, é bem provável que muitos quase nada saibam sobre tudo isto. Devem possuir imagens registradas em seus cérebros, todavia, desacompanhadas de uma maior compreensão do que se passou. Ver nos dias as marcas vivas deste passado, não é tarefa fácil. O presentismo, tal como Hobsbawm o entendeu, campeia sem maiores problemas nas novas mídias e nas consciências dos jovens. Acredita-se que o presente saiu do nada e que o passado não o forjou e não o influencia. Estas idéias, é bom lembrar, foram inculcadas e nada têm de natural. Isto facilita as coisas para as várias formas de poder atuais, que se inspiram no passado e não podem revelar a origem do que pensam. O fascismo e o nazismo foram, antes de tudo, ideologias políticas que buscavam ironicamente uma terceira via entre o comunismo soviético e o liberalismo ocidental. Ambas empolgaram o poder nos países onde foram criadas e desenvolvidas. Suas práticas ganharam contornos próprios e especificidades relativas aos lugares onde se desenvolveram. Espalharam-se, como um veneno, pelo mundo da época, tendo defensores e representantes diretos e indiretos por toda parte. O comunismo teve no estalinismo e suas variações nacionais a sua vertente própria, a do chamado fascismo vermelho. Outros exemplos podem ser igualmente elencados de uso de soluções autoritárias, em nome da democracia dos trabalhadores e de uma leitura dogmática dos clássicos marxistas. No Brasil, os integralistas da década de 1930 desenvolveram um credo e um conjunto de práticas similar ao nazifascismo. Este partido, de há muito desaparecido, formou parte substantiva das direitas brasileiras. Em inúmeros países, surgiram defensores e imitadores das prédicas de Hitler e Mussolini. Mesmo depois da derrota na Guerra, não poucos continuaram a insistir na mesma tecla e a prolongar regimes políticos com inspiração nas mesmas ideologias. Partidários destas idéias se organizaram em partidos com nomes diversos e trouxeram até o mundo atual a defesa do mesmo ideário ou de algo próximo ao passado. Nem sempre, eles se apresentaram ou se apresentam como tal. Nem sempre é de bom tom dizer de onde se veio. Todavia, não é difícil identificá-los, até mesmo, bem disfarçados como membros de partidos que se dizem democráticos.Como o fascismo é anterior ao nazismo e seu nome é mais genérico e, praticamente desligado do país específico que o gerou, é comum falar-se do primeiro para designar, ainda hoje, quem defende idéias e práticas assemelhadas. No mundo em que se vive, o fascismo está presente nos que postulam soluções políticas autoritárias, que dispensam a participação popular. Eles adoram a ordem, bem como, se pudessem, submeteriam todos aos choques restauradores do que consideram como ordem natural do mundo. Comumente, eles santificam a família e a propriedade e são contrários a qualquer medida que modernizem estas velhas instituições e seus mil e um problemas. Acham natural a repressão estatal, menos, quando o Estado democrático os questiona.Eles têm pavor do pensamento crítico e, se pudessem, encarcerariam qualquer um que seja independente ou milite pelo esclarecimento geral da sociedade. Os velhos autos-de-fé da Santa Inquisição foram reabilitados no fascismo. Eles destruíam livros, frutos do pensamento crítico, e abominavam quem os lessem ou os escrevessem. No contexto das ditaduras mais recentes, os detentores do poder usaram da censura oficial de Estado para controlar as mídias e as artes de qualquer tipo. Felizmente, isto passou, entretanto, os novos fascistas continuam a disseminar a censura, agora cautelosa e invertida. Em vários lugares a prática da censura deixou de ser feita pelo Estado – ainda existem espaços onde ela persiste, mas, permaneceu na ação do mercado e dos grupos sociais que controlam, por exemplo, a pesquisa feita com o auxílio de agências governamentais. Quem é a favor da ordem consegue mais facilmente verbas públicas e publica seus trabalhos sem maiores problemas, mesmo que não tenham qualquer relevância social, política ou filosófica. Quem é contra e possui uma visão crítica dos problemas sociais têm imensas dificuldades de pesquisar o que considera realmente importante. Obviamente, em alguns países ocidentais o grau de liberdade é maior do que em outros.Isto ocorre, mesmo que se possa provar que está falando de problemas de alta significação para a vida real de um país. Obviamente, os novos censores jamais dizem que estão censurando. Cercam suas decisões de todo um aparato burocrático capaz de esconder seus reais significados. Obviamente, há quem rompa o cerco e consiga se manifestar. Hoje, com o fim das ditaduras latino-americanas, isto, por aqui, ficou bem mais fácil, mas não sem problemas. Os fascistas sempre glorificaram a mediocridade intelectual, demonizando qualquer forma de ciência ou de arte engajada ou, apenas, comprometida com um conhecimento ou uma estética a favor da humanidade. Na busca brutal de construir alternativas ao patrimônio científico e artístico humano, eles cometeram inúmeras barbaridades e louvações ao que era mais superficial e incapaz de despertar a inteligência humana. Por isto, compreende-se seus imensos esforços para impedir o florescimento do saber e da arte, onde estiveram ou ainda estão presentes com algum poder. Eles se sentem muito ameaçados por qualquer inflexão do pensamento, que não controlem.Historicamente, coube ao nazifascismo dar um impulso imenso às técnicas de propaganda política. Nelas, o convencimento era obtido pelo forte uso da retórica de Estado, mentindo-se deliberadamente para se conseguir o que se desejava. Um acontecimento marcante da Alemanha nazista foi o incêndio proposital (1933) do Reichstag parlamento atribuído à oposição comunista. Tal ato foi fortemente acompanhado de intenso barulho propagandístico, que lembra o caso recente das pretensas armas de destruição em massa, jamais achadas em território iraquiano. No primeiro caso, o partido nazista aumentou o seu poder. No segundo, não houve maiores obstáculos à invasão, ocupação militar e à apropriação das jazidas petrolíferas do Iraque. Essas técnicas, hoje fortemente usadas pela publicidade comercial, devem à experiência germano-italiana um tributo de criação. Tal como dizia Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, aqui adaptado, uma mentira repetida mil vezes, torna-se uma verdade. O fascismo líquido é o que mais se observa no tempo presente. Ele não tem mais, necessariamente, bandeiras, camisas e líderes maiores. Não se apresenta como tal, ao contrário, esconde-se atrás da bandeira da democracia e se diz partidário da modernização e da moralidade. Os fascistas liquefeitos de hoje escorrem, evitando o confronto ideológico direto e não revelam o que pensam do passado, dos fatos e das pessoas que admiram secretamente. Quando são confrontados, negam e tentam inverter a acusação. Não raro, há fascistas que não sabem exatamente a origem do que defendem, simplesmente foram capturados pela propaganda eficiente e formadora de parte substantiva das mídias contemporâneas. Nela, os fascistas líquidos encontram um abrigo seguro para o desenvolvimento de suas prédicas. O que precisam é agir com cuidado, para que suas máscaras não caiam, os deixando a descoberto.O fascismo sólido é um problema do passado, o que não impede que alguns discursos e medidas atuais o lembrem fortemente. Dentre elas, destacam-se: o ultra-nacionalismo belicista radical, apoiado na idéia da grande nação detentora natural do poder sobre as demais; o racismo de Estado e o disseminado no tecido social; a crítica virulenta aos direitos humanos, garantidos no pós-Guerra pela ONU, e considerados fundamentais pela consciência crítica universal, bem como o desrespeito costumeiro deste princípio legal. Não há nada de líquido em defender e praticar a tortura, construir e manter campos de concentração, encarcerar pessoas por delitos de opinião, perseguir imigrantes, matar trabalhadores sem-terra e religiosos que os defendem; tratar de modo discriminatório negros, idosos, mulheres, crianças, homossexuais, etc. Como se vê, exemplos não faltam, e os leitores já devem estar pensando em outros. Vêm sendo lançados vários filmes sobre o nazifascismo. Alguns poucos mantêm a perspectiva crítica e chegam a denunciar a presença destas ideologias como um fenômeno contemporâneo. Vários vêm operando no sentido contrário. Revisam a história e a crítica e as relativizam. Já se viu na tela grande um pouco de tudo. Filmes que falam de: oficiais da SS com pena dos judeus e com profundo senso moral, vítimas das circunstâncias; policiais responsáveis por centenas de mortes que não sabiam bem em que estavam metidos; pessoas que conviveram com o a elite dos demônios nazistas e não se davam conta o que estavam fazendo ali; um conde nazista e seus comparsas que quiseram matar o capo, porque sabiam que guerra estava perdida e queriam se safar. Todos muito bem feitos e estrelados por atores, por vezes, de primeira grandeza. Defender o fascismo com delicadeza e inteligência dá o tom destas produções que têm muito mais a ver com a realidade atual, do que com os contextos usados para desenvolver as tramas narradas. São mais raros, mas existem, os bons filmes que contam a incrível história dos que realmente resistiram, desde o primeiro momento, e do preço que pagaram por corajosamente ousarem a se confrontar com o poder. Ainda, mais incomuns, são os como o francês intitulado A Questão Humana que investiga a presença insuspeita da mesma ideologia no seio de empresas avançadas e contemporâneas. Estas utilizariam, segundo o filme, técnicas de organização e de reengenharia que lembram as da época do nazifascismo. A indústria cultural cinematográfica produz mercadorias e, ao mesmo tempo, arte. Quanto mais os seus produtos se aproximam da propaganda política, mais se afastam da recriação artística da realidade, sem falseamentos e torções retóricas. Aliás, os nazistas adoravam o cinema, compreendido por eles como forma de educar as massas. De fato, o mesmo gênero presta-se a esclarecer ou a torcer o real, com interesses nem sempre confessáveis.

Luís Carlos Lopes é professor.

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