Pedro Doria
Solitários ainda que juntos
A compulsão tecnológica nos afasta de quem nos deveria ser mais
próximo; e as redes sociais só criam a ilusão da companhia
O primeiro livro escrito por Sherry Turkle, uma senhora de 66 anos, foi
um ensaio sobre a psicanálise francesa após Lacan. Americana, passara o fim dos
anos 1960 e o início dos 70 em Paris, onde respirou o ar de mudanças intensas.
Nada, naquele início de sua trajetória acadêmica, parecia sugerir que dedicaria
tanto de sua vida à tecnologia. E, no entanto, foi parar em uma das duas mecas
digitais americanas. Não o Vale do Silício, mas o Instituto de Tecnologia de
Massachussetts (MIT), no outro lado do país. Seu segundo livro, lançado em
1984, já falava da relação entre pessoas e computadores. Turkle foi capa da
“Wired”, a bíblia da cultura digital. Foi a socióloga e psicóloga que veio à
frente de todos os outros para estudar, desde cedo, esta nova e ainda mais
intensa mudança.
Recentemente, Sherry Turkle começou a ter dúvidas.
O título de seu último livro: “Alone, Together”. Numa tradução livre,
“Solitários ainda que juntos”. A professora do MIT não se tornou uma ludita,
alguém intolerante a novas tecnologias. Tem o último iPhone e seu escritório na
universidade é semelhante ao de todos seus colegas: cheio de cacarecos
eletrônicos novos e velhos. Ela se interessa pelas possibilidades do convívio
futuro com robôs. Mas acredita que temos um problema que começa com um dado: o
número de acidentes envolvendo crianças pequenas, nos parques americanos,
aumentou. Seus pais estão distraídos com o celular.
O argumento não passa pelos arranhões ou braços quebrados mas pelo que
estamos ensinando a nossos filhos. Solitários, ainda que juntos: todos à mesa,
cada um com os olhos em sua própria tela. Crianças fazem hoje o que sempre
fizeram no passado. Buscam imitar os adultos, têm fascínio por aquilo que nos
atrai. Mas, conforme as máquinas começam a dominar mais a atenção das crianças,
menos elas convivem com outras pessoas.
Brincar com argila, com blocos de montar ou com tinta ensina muito. As
possibilidades de arranjo são infinitas, qualquer coisa pode sair dali.
Sozinhas, crianças se concentram, calam-se dentro de si mesmas, imersas numa
experiência lúdica e lenta na qual aprendem alguns pontos fundamentais sobre a
experiência humana. É deste silêncio absorto que nasce compreensão a respeito
de si mesmo e, daí, criatividade. Os joguinhos no celular promovem o oposto,
são nervosos. Exigem constante interação, mobilizam o cérebro para reflexos
ágeis, calam o silêncio.
No passo seguinte, das redes sociais, a promessa é mais tentadora.
Seduz crianças mais velhas assim como adultos. Estamos, parece, sempre juntos.
On-line, nos fabricamos: somos aquilo que desejamos ser. Construímos uma
identidade ideal e convivemos com as identidades ideais dos outros. Conforme as
relações via redes se tornam compulsivas, a ilusão de companhia nos torna em
verdade mais solitários. E está aí um paradoxo: na infância, deveríamos
sozinhos aprender sobre como é ser gente; na idade adulta, passamos a
substituir verdadeira companhia por sua ilusão.
Chegamos em casa à noite e, cada um com sua tela, nos afastamos de quem
nos deveria ser mais próximo.
A palavra chave é compulsão. O mundo digital está ocupando os momentos
de reflexão. À fila do banco, na sala de espera do dentista, sacamos a máquina
e calamos nossas mentes.
Não olhem para mim: sou igualmente culpado. E a professora Turkle já
está escrevendo um livro novo. É sobre a arte da conversa.
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