segunda-feira, 24 de maio de 2010

sobre a Alice, aquela do País da Maravilhas....

Pessoal,
Adorei sempre o livro : Alice no País das maravilhas.
Fiquei encantada com a Alice, aos doze anos, aos 20 e até hoje, na 3ª idade, vivo pensando nela, principalmente quando passo o dia correndo atrás das minhas mil atribulaçoes...( todas inventadas por mim mesma!)
Nao fui assistir ao filme ainda.
Dizem que nao é tao bom quanto o livro , ( é quase uma continuaçao) mas no final terei que conferir.
Ganhei este texto da Renata , a super bibliotecária da FEAC e quero repassá-lo , porque achei uma excelente crônica da minha heróina predileta.
Também , olhem aí quem é o autor!



"Para Maria da Graça*

Paulo Mendes Campos**

Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te
dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca.
Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como
um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as
loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves
entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta
que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade Dinah, já comeste um
morcego?"
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor
ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?"
Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente.
Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma
como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a
resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja
mentira.
A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é
inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada
de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá,
abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo
os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem
fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a
presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando
Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos
espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas
que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser
grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas
sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon" Pois viver é falar de
corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de
bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o
que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gato se fosses eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos
negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos
bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e
mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições
tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo
que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos,
que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar:
"A corrida terminou! mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça,
disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres
de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a
primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "A minha história é longa e triste!" Ouvirás isso
milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria
um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e
tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance só é o
jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente, dos homens
e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!"
Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos.
Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres
não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o
seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde.
Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e
não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar
diminuindo de novo" Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer
novamente.
E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuido tanto de tamanho
que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito,
Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também
acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos
assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível
rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada
que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que
parecem hipopótamos e rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é
rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o
rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E
como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre meio
cômico, nunca devemos perder o bom-humor`.
Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa
grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com
os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando
está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por
fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões.
Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios
de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que
fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito
bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de
tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não
poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira
contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago,
pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias
lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é
vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

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