segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A vida será sempre um conjunto de nãos?

A vida sempre um conjunto de nãos?
Ignácio de Loyola Brandão

Criança, não podíamos comer manga com sal. Não podíamos misturar manga com leite. Laranja, leite e banana davam nó na tripa. Melancia com leite ou (depois) com pinga era mortal.

Não podíamos brincar no rio (um palmo de fundura) para não nos afogarmos. Em dia de sol quente, não podíamos brincar na água fria porque podíamos pegar pneumonia.
Não podíamos saber como os bebês eram produzidos. A parteira era uma figura misteriosa.

Não podíamos fumar cigarros, mas podíamos colecionar marcas de cigarro, o que despertava enorme fascínio
.
Não podíamos brincar com as meninas de “mostra o seu que eu mostro o meu” Não podíamos brincar de médico e paciente. “ Deixa –me ver este peitinho como está...”
Não podíamos olhar pela fechadura para ver a empregada tomando banho, sob pena de ficarmos cegos, dizia o padre.

Não podíamos (segundo os padres) ter maus pensamentos. Não podíamos comungar sem ter confessado. Não podíamos comungar sem estar de jejum.

Não podíamos transar com as jovens antes do casamento.

De repente, não podíamos mais usar lança-perfume e muito menos cheirá-las.

Homem não podia usar camisas coloridas, sob pena de ser taxado de maricas.

Não podíamos ser malucos, sonhadores, era preciso entar na Universidade, ter segurança, emprego no Banco do Brasil ou na Caixa.

Depois chegou um tempo, em que não podíamos ler livros, assistir filmes teatro, televisão, ouvir certas canções, ser contra o sistema, votar, transar sem camisinha, atirar o pau no gato.

Agora não podemos ser politicamente incorretos.

Estamos todos nos calando.

Assim, fomos crescendo e nos tornando adultos para sabermos que o que faz mal (ou fez, fazia, fará  não faz mais, ele vai miudando, mudando)que o glúten faz mal, que o chocolate engorda, que o colesterol nos ameaça em cada esquina, que a lactose existe, o açúcar provoca diabetes, adoçante dá câncer, o camarão dá alergia.

Agora sabemos que não podemos comer salsichas e outros embutidos, nem carne seca, nem bacon (a América do Norte inteira vai morrer com aqueles deliciosos  bacons crocantes no breakfast) nem carne vermelha ( cuidado Tony Ramos, muito cuidado, sou seu fã)

Mas, me assustei quando vi que o mate também dá câncer.
O mate que vem fervendo nas cuias. Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Argentina, Uruguai e Paraguai vão desaparecer.
Minhas centenas de amigos gaúchos estão condenados...


domingo, 1 de novembro de 2015

Não canse quem te quer bem

Martha Medeiros é tão bem aceita pelos leitores pois fala de coisas simples, cotidianas e revela sentimentos humanos com franqueza.
Nesse texto “Não canse quem te quer bem” aborda a questão do “bom senso” e do “respeito” entre os amigos.
Vale a leitura!!!

“Foi durante o programa Saia Justa que a atriz Camila Morgado, discutindo sobre a chatice dos outros (e a nossa própria), lançou a frase: “Não canse quem te quer bem”. Diz ela que ouviu isso em algum lugar, mas enquanto não consegue lembrar a fonte, dou a ela a posse provisória desse achado.

Não canse quem te quer bem. Ah, se conseguíssemos manter sob controle nosso ímpeto de apoquentar. Mas não. Uns mais, outros menos, todos passam do limite na arte de encher os tubos. Ou contando uma história que não acaba nunca, ou pior: contando uma história que não acaba nunca cujos protagonistas ninguém jamais ouviu falar. Deveria ser crime inafiançável ficar contando longos casos sobre gente que não conhecemos e por quem não temos o menor interesse. Se for história de doença, então, cadeira elétrica.

Não canse quem te quer bem. Evite repetir sempre a mesma queixa. Desabafar com amigos, ok. Pedir conselho, ok também, é uma demonstração de carinho e confiança. Agora, ficar anos alugando os ouvidos alheios com as mesmas reclamações, dá licença. Troque o disco. Seus amigos gostam tanto de você, merecem saber que você é capaz de diversificar suas lamúrias.

Não canse quem te quer bem. Garçons foram treinados para te querer bem. Então não peça para trocar todos os ingredientes do risoto que você solicitou – escolha uma pizza e fim.

Seu namorado te quer muito bem. Não o obrigue a esperar pelos 20 vestidos que você vai experimentar antes de sair – pense antes no que vai usar. E discutir a relação, só uma vez por ano, se não houver outra saída.
Sua namorada também te quer muito bem. Não a amole pedindo para ela explicar de onde conhece aquele rapaz que cumprimentou na saída do cinema. Ciúme toda hora, por qualquer bobagem, é esgotante.

Não canse quem te quer bem. Não peça dinheiro emprestado pra quem vai ficar constrangido em negar. Não exija uma dedicatória especial só porque você é parente do autor do livro. E não exagere ao mostrar fotografias. Se o local que você visitou é realmente incrível, mostre três, quatro no máximo. Na verdade, fotografia a gente só mostra pra mãe e para aqueles que também aparecem na foto.

Não canse quem te quer bem. Não faça seus filhos demonstrarem dotes artísticos (cantar, dançar, tocar violão) na frente das visitas. Por amor a eles e pelas visitas.

Implicâncias quase sempre são demonstrações de afeto. Você não implica com quem te esnoba, apenas com quem possui laços fraternos. Se um amigo é barrigudo, será sobre a barriga dele que faremos piada. Se temos uma amiga que sempre chega atrasada, o atraso dela será brindado com sarcasmo. Se nosso filho é cabeludo, “quando é que tu vai cortar esse cabelo, garoto?” será a pergunta que faremos de segunda a domingo. Implicar é uma maneira de confirmar a intimidade. Mas os íntimos poderiam se elogiar, pra variar.


Não canse quem te quer bem. Se não consegue resistir a dar uma chateada, seja mala com pessoas que não te conhecem. Só esses poderão se afastar, cortar o assunto, te dar um chega pra lá. Quem te quer bem vai te ouvir até o fim e ainda vai fazer de conta que está se divertindo. Coitado. Prive-o desse infortúnio. Ele não tem culpa de gostar de você.”