quinta-feira, 11 de junho de 2015

“A campanha do colesterol é o maior escândalo médico do nosso tempo”

“A campanha do colesterol é o maior escândalo médico do nosso tempo”

Entrevista a Uffe Ranskov, investigador dinamarquês e fundador da Liga Internacional dos Céticos do Colesterol que defende que o colesterol alto não é causa mas apenas um sintoma das doenças cardiovasculares.

Como começou o seu interesse no colesterol?
Quando a campanha anti-colesterol começou na Suécia, em 1989, fiquei surpreendido porque nunca tinha visto indicações na literatura médica que mostrassem que o colesterol elevado ou as gorduras saturadas fossem prejudiciais. Como sabia pouco do assunto comecei a ler de forma sistemática e rapidamente percebi que o rei ia nu.
Parece haver uma guerra de estudos nesta matéria...
Quase todas as pesquisas nesta área são pagas pelas farmacêuticas e pela indústria das margarinas. É também um facto triste que muitos investigadores que mostraram que o colesterol elevado não é mau, não o percebam eles próprios. Por exemplo, dois grupos de investigação norte-americanos mostraram recentemente que o colesterol de doentes que deram entrada no hospital com ataque cardíaco estava abaixo do normal. Concluíram que era preciso baixar o colesterol ainda mais. Um dos grupos fez isso mesmo. Três anos depois tinha morrido o dobro dos pacientes a quem tinham baixado o colesterol, comparativamente aqueles em que o colesterol foi deixado na mesma.
Se o colesterol não tem influência na doença coronária como se explica que haja tantos estudos a mostrar efeitos positivos das estatinas em pessoas com historial de doenças coronárias?
A razão prende-se com o facto das estatinas terem outros efeitos, anti inflamatórios, além de baixarem o colesterol. O seu pequeno benefício só foi demonstrado em pessoas jovens e homens de meia- idade que já tiveram um ataque cardíaco. Nenhum ensaio de estatinas foi capaz de prolongar a vida às mulheres ou pessoas saudáveis cujo único ‘problema’ é terem o colesterol alto. E há mais de 20 estudos que demonstram que pessoas mais velhas com colesterol vivem mais tempo.

- Há quem não desvalorize completamente o papel do colesterol, nomeadamente o LDL, mas enfatize a importância do tamanho das partículas.
O investigador norte-americano Ronald Krauss descobriu que o LDL existe em vários tamanhos e que um número elevado de partículas pequenas e com maior densidade está associado a um maior risco de ataque cardíaco, enquanto que um numero alto de partículas de LDL grandes está associado a um risco menor. Também demonstraram que ao comer gordura saturada o número de partículas pequenas no sangue descia e que o número das grandes subia. Isto não significa que as partículas pequenas sejam a causa dos ataques cardíacos. Haver uma relação não implica que seja de causa efeito. O que estes estudos demonstraram foi que comer gorduras saturadas não causa doenças coronárias. De qualquer forma, uma análise do colesterol diz pouco. O nível de colesterol depende de muitas coisas. O stresse pode aumentar o nível de colesterol em 30% a 40% em meia hora.
Diz ainda que as gorduras saturadas não são um problema mas sim a comida processada, com gorduras hidrogenadas, e o açúcar...
Sim, o triste é que até os autores do mais recente relatório da OMS/FAO admitiram que a gordura saturada é inocente e apesar disso continuam com as recomendações de dietas com baixos teor de gordura e altos teores de hidratos de carbono. O relatório diz ‘As provas disponíveis de ensaios controlados não permitem fazer um juízo sobre efeitos substantivos da gordura na dieta no risco de doença cardiovascular’. Na Suécia, milhares de diabéticos obesos puderam deixar a medicação para a diabetes evitando os hidratos de carbono e comendo alimentos ricos em gordura saturada.
O que recomenda às pessoas relativamente à toma de estatinas?

Não usem estatinas! O seu benefício é mínimo e o risco de efeitos adversos é muito mais alto do que o que as farmacêuticas dizem. Vários investigadores independentes mostraram que há problemas musculares em25 a 50% das pessoas, especialmente nos mais velhos. Pelo menos 4% ficam com diabetes e parece haver também ligação a perdas de memória ou Alzheimer. Os problemas de fígado também são um risco. A campanha do colesterol é simplesmente o maior escândalo médico do nosso tempo

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Teoria das pessoas complexas


Haddock Lobo, 1164, apartamento 53, ano de 2015, quinta-feira, 10h30 da noite. Luz fraquinha do abajur iluminando a sala grande e "desmobiliada". Perto da janela, a congregação das teorias de mesa de bar confabulando sobre a vida de forma geral e sobre os relacionamentos.
M. diz que gosta de seu emprego em SP, que ama a cidade e suas possibilidades. Mas diz que também gostaria de viver em outro lugar, de outra forma, fazer outras coisas. Não sabe o que quer, mas acha que sabe o que não quer. Acredita que o amor existe, mas não tem nada a ver com essa coisa de novela ou de cinema. E fica triste quando nota que a maior parte dos casais que a rodeiam são infelizes e só estão juntos por comodidade.
A. está em crise, pois mudou de profissão. Por que mudou? Também não sabe, só sabe que sentia que não era aquilo que deveria fazer para o resto da vida. A. acredita que ninguém nasceu para ser uma coisa só. Acha triste que tenhamos de nos resumir dessa maneira ao escolhermos uma profissão. A. pensa que as relações amorosas foram feitas para dar errado, mas que, como existe a teoria do caos, também existe as relações duradouras e felizes. Fica triste quando nota nos bares e restaurantes casais sentados sem conversar.
D. ouve apenas. Profissionalmente e em relação a cidade sente-se bem. O que a pega um pouco nos últimos tempos é o fim de sua relação com F. Ela rompeu. Estavam morando juntos, mas ela não estava segura se era aquele o tipo de relação que queria, se ele era o homem para ela. Tinha medo que passasse a vida a conformar-se e não a apaixonar-se. Pensa na música de Chico: Lilly Brown. "Nunca mais romance, nunca, nunca mais feliz". Casar seria matar a paixão?
M., D., A. Pessoas complexas. Enquanto falavam de suas crises, teorias, possibilidades foram percebendo com felicidade e espanto o quanto eram parecidas em suas frustrações e em suas expectativas. Em seus sonhos e em seus medos. Em seus anseios e inseguranças.
As pessoas complexas raramente sabem o que querem, mas frequentemente sabem o que não querem. É um tipo de gente que não sabe comer a vida pelas bordas e já enfia a colher, com tudo, no meio da sopa. Arriscam queimar a língua, porque sabem que se queimar, passa. Ninguém morre de queimadura na língua, como ninguém morre de coração partido, de dor de cotovelo ou frustração.

As pessoas complexas não conseguem olhar para o mundo e aceitar simplesmente. Elas se questionam o tempo todo tudo. Chatas? Talvez, mas é que não conseguem existir de outro modo.
M., D. e A. estão cansadas do mundinho previsível, das pessoas tão quadradas, das possibilidades pequenas que o mundo lhes oferece. Está certo que a vida nos atende escassamente, disso já sabemos. Mas para uma pessoa complexa é a morte levar a vida a acomodar-se. Fazer as coisas porque vai ser mais confortável ou socialmente aprovado. Não se trata de rebeldia, nem de originalidade. É apenas que um coração complexo pulsa em arritmia, tem um compasso diferente, que se mistura frequentemente ao passo descompassado do mundo e da vida.
As pessoas complexas não acreditam que felicidade seja um carro do ano, um apê "um por andar" ou uma cobertura. Não acham que roupas caras te fazem mais bonita. Não acham bacana ir à balada da moda e nem fazer o que todo mundo faz.
Elas se questionam sobre os relacionamentos, sobre os casamentos. Elas querem se casar, querem se relacionar, mas tem que ser de verdade. Tem que ser com aquele alguém que as veja por dentro, que esteja ali todo corpo, todo presente, pronto para debruçar-se sobre o outro. Pronto para fazer da vida uma descoberta, uma aventura, um lugar sem ontem e sem amanhã. Não precisam de status. Não sabem se a fidelidade é a parte mais importante. Acreditam na lealdade, sobretudo.
Essa gente complexa detesta assuntos burocráticos, relações burocráticas, protocolos, regras sociais, dizer o que convém. São sinceras do fio do cabelo a ponta do dedão do pé. Não dissimulam e detestam mesquinharia.
As pessoas complexas acreditam na vida. Tem fé no amor e nas relações humanas. Elas olham o mundo e enxergam suas limitações, mas também, os seus encantos.
Não têm preconceito. São abertas ao novo. Gostam de experimentar sabores, cores, amores, formas, conteúdos, jeitos, gentes, teorias. São orgânicas. São recicláveis. São sustentáveis.
As pessoas complexas acreditam que as pessoas são o que dizem, o que pensam, o que sentem. Ninguém é o que tem. Aliás, pessoas complexas detestam assuntos como: a casa que eu comprei na praia, o meu salário de R$ 15 mil, o meu carro novo, etc.
Gostam de arte, de gente, de música, de viagens. Amam a liberdade e não sabem viver sem ela.
Respeitam o espaço do outro. Preservam a liberdade do outro. Amam as possibilidades do outro.
Não querem que as pessoas sejam como elas. São traumatizadas por uma sociedade que não as compreende e por isso não exigem do outro nada além do que ele tenha para oferecer.

Gostam de se emocionar com a vida e com o mundo. Nunca se acostumam a ver pessoas morando na rua, crianças pedindo dinheiro no semáforo. Choram com certas cenas da vida e lutam para que o mundo seja um lugar mais justo, mais acolhedor, com mais oportunidades para todos.
Fazem, todos os dias, pequenas revoluções.
Adoram conhecer lugares novos para formarem novas memórias. Conhecer gente nova, para construírem novas histórias. Contudo, carregam o passado, com seus ensinamentos e seus momentos inesquecíveis, sempre bem junto.
Se reconhecem nos lugares e adoram andar em bando. Ficam juntos falando de assuntos complexos ou de bobagens. Mas bobagens sinceras, coisas do bem. Se falam mal de algo é só da rede globo, do big brother, de certos políticos, enfim, de quem merece.
Pensam que a vida é uma só, sem ensaio e sem after. Assim, vivem cada dia como se fosse o único, como se fosse o último.
São pessoas sensíveis, que buscam extrair da vida sua essência e que querem traçar seu próprio destino. Acreditam na construção da felicidade e acreditam que essa não está na conta bancária, nem em um marido ou mulher que os espera em casa, nem em um filho, mas em cada um de nós.
Gente complexa tem alma de poeta mesmo quando nunca escreveu sequer um verso.

Aina Cruz Favoritar   -Redatora, tradutora, roteirista e blogueira