E a juventude vai escoando entre os dedos.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre.
Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a
Europa.
Tinha pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos
ingratos e suar muitas camisas para pagar o aluguel, a escola e as viagens em
família para pousadas no interior.
Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.
Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois
vinham noções de francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim.
Frequentou as melhores escolas.
Entrou nas melhores faculdades.
Passou no processo seletivo dos melhores estágios.
Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão.
E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram
subindo pelas paredes.
Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não
precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que
os pais ganharam na vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam
ganhar.
Ninguém podia os deter. A experiência crescia diariamente, a
carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita.
O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta
estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o
cão que corre atrás do próprio rabo.
O problema era uma nebulosa na qual já não se podia
distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição,
o que era ganância, o que necessário e o que era vício.
O dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava
para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o
sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto.
Mas, sabe como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao
invés de sempre ir.
Essa geração tentava se convencer de que podia comprar saúde
em caixinhas. Chegava a acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar
todo o dano que fazia diariamente ao próprio corpo.
Aos 20: ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30: rivotril. Aos
35: stent.
Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada e
comprimidos para dormir.
Oscilavam entre o sim e o não. Você dá conta? Sim. Cumpre o
prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na
equipe? Sim.
Mas para a vida, costumava ser não:
Aos 20 eles não conseguiram estudar para as provas da
faculdade porque o estágio demandava muito.
Aos 25 eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva
muito boa de promoção na empresa.
Aos 30 eles não foram no aniversário de um velho amigo porque
ficaram até as 2 da manhã no escritório.
Aos 35 eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando
chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado.
Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se
perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia.
Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha
pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda
pudessem fazer algum sentido.
Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio
automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expectativas da
empresa, dos olhares curiosos dos “amigos”.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal
tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro.
Só não tinha controle do próprio tempo.
Só não via que os dias estavam passando.
Só não percebia que a juventude estava escoando entre os
dedos e que os bônus do final do ano não comprariam os anos de volta.
RUTH MANUS