Ser especial
Danuza Leão
Afinal, qual a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais
coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando --e
aumentando-- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é
possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico,
a vida seria um tédio.
Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua
vida, ter um apartamento era uma ambição quase impossível de alcançar; mas,
agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar um com
menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira, ele vai olhar
para você com o maior desprezo --isso se olhar.
Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o maior
sacrifício; agora, se não for um importado, com televisão, bar e computador,
não interessa --e só tem graça se for o único a ter o brinquedinho. Somos todos
verdadeiras crianças, e só queremos ser únicos, especiais e raros; simples,
não?
Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram
de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema
é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a
absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?
As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris
era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do
passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem --e se for o vídeo,
pior ainda-- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da
Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também
pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris,
entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando
português e onde você só encontra brasileiros --não é melhor ficar por aqui
mesmo?
Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de
diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro,
com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?
Até outro dia causava um certo frisson ter um jatinho para
viagens mais longas e um helicóptero para chegar a Petrópolis ou Angra sem
passar pelo desconforto dos congestionamentos.
Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão banais
que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou dos 18. A não
ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro de cobra --talvez.
É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas
os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e
ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso
a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.
Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda
tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de
beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais
bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem
desfrutar do mesmo encantamento.
Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o
Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas --assim como Nova
York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se
à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.
Para os muito exigentes, passa a existir uma única solução:
trancar-se em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates --sem medo de
engordar--, o ar-condicionado ligado, a televisão desligada, e sozinha.
E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor
na vida.
Quase nada, digamos.